sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Barcos de papel
Guilherme de Almeida
 
Quando a chuva cessava e um vento frio
Franzia a tarde tímida e lavada,
Eu saía a brincar pela calçada
Nos meus tempos felizes de menino
 
Fazia de papel toda uma armada
E, estendendo meu braço pequenino
Eu soltava os barquinhos sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada...
 
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Que não são barcos de ouro meus ideais
Que são feitos de papel,tal como aqueles
 
Perfeitamente, exatamente iguais...
Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

domingo, 11 de novembro de 2012

A NOITE...É A NOITE!
Moysés Amaro Dalva

A noite...é a noite!
Em vão poluída,
Sem luas de bronze,
Sem flores fanadas,
Sem perfumes sutis,
Sem beijos, sem cor...
Sem sonhos devassos
Ou sonhos de amor,
A noite, é a noite!...
Perdida em desditas,
Em mil sofrimentos,
Em tristes lamentos,
Nos uivos dos ventos,
Nas vozes perdidas
Clamando vinditas,
Em seus descaminhos
Sem Deus e sem fé,
A noite...é a noite!...
Não perde a poesia,
Não perde a ternura,
Não prende os boêmios,
Não coloca em cadeia
As sexi-apples,
Não perde a ilusão.
A noite...é a noite!

quarta-feira, 18 de julho de 2012


SE...
Rudyard KiSE...
Rudyard Kippling - versão livre de  Felix Bermuda
Se podes conservar o teu bom senso e a calma,
Num mundo a delirar, pra quem o louco és tu;

Se podes crer em ti com toda a força d’alma
Quando ninguém te crê. Se vais faminto e nu
Trilhando sem revolta um rumo solitário;

Se à torva intolerância, a negra incompreensão
Tu podes responder, subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia,
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor,
Mas sem a afetação de um santo que oficia,
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor...

Se podes esperar, sem fatigar a esp’rança,
Sonhar... Mas conservar-te acima do teu sonho,
Fazer do Pensamento um Arco d’Aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
Triunfo e a derrota... Eternos Impostores!
Se podes ver o Bem oculto em todo o Mal,
E resignar -sorrindo- o Amor dos teus amores...
Se podes resistir à raiva ou à Vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...

Se podes arriscar todos os teus haveres
Num lance corajoso, alheio ao resultado,
E calando em ti mesmo a mágoa de perderes
Voltas a palmilhar  todo o caminho andado...
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo;
E sem dizer palavras... E sem um termo agreste
Voltares ao princípio, a construir de novo...

Se podes obrigar o coração e os músculos
A renovar o esforço, a muito vacilante,
Quando já no teu corpo, afogado em crepúsculo
Só existe a vontade a comandar: “Avante!”

Se  vivendo entre o povo és virtuoso e nobre,
Ou vivendo entre os reis, conservas a humildade;

Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti, à luz da Eternidade...

Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
De um minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espalhe em séculos fecundos...

Então, ó Ser Sublime, o mundo inteiro é teu!
Já  dominaste os Reis, os Tempos e os Espaços,
Mas inda para além um novo Sol rompeu
Abrindo o Infinito ao rumo dos teus passos!

Pairando numa esfera acima desses planos,
Sem recear jamais que os erros te retomem,
Quando já não houver em ti que seja Humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um Homem!

 Arquivo Amaro Castro Corvo
São Paulo, l6 de maio de 1964

São Paulo, l6 de maio de 1964